Em muitos momentos em nossas vidas somos cobrados para termos desempenho e produtividade. No geral, acredita-se que ser duro consigo leva a produtividade, e na maioria das vezes isso funciona. Porém, a maioria das pessoas não percebe o quanto isso prejudica, quando há fragilidade emocional. No momento que a dor emocional chega, ela atrapalha o desempenho em tarefas do cotidiano, e a autocritica excessiva pode gerar paralisia, inércia e apatia. Claro que em momentos de tranquilidade e satisfação a elevada autocrítica pode melhorar o desempenho, mas o efeito é inverso nos momentos de dor emocional. Um diálogo frequente em nossos consultórios de Psicologia começa com o terapeuta dizendo: “Ao longo das nossas conversar aqui no consultório, tenho percebido que talvez você seja duro demais com você mesmo. Você percebe isso?” E o cliente responde: “Sim, as pessoas já falaram isso para mim”. E então o terapeuta continua: “Existe uma crença em nossa cultura que para sermos produtivos devemos ser duros conosco. Você percebe isso em você?”. Cliente segue respondendo: “Sim, claro, caso contrário, eu serei um grande preguiçoso”. E então o terapeuta aprofunda a reflexão: “Sim faz sentido, a pergunta que eu te faço é ‘Quando você é duro consigo, você percebe que é produtivo. Quando você é mais duro, muito duro, você percebe que fica mais produtivo?’” E o cliente então se dá conta: “Nem sempre, na maioria vezes eu paraliso, eu emperro”. O terapeuta então, segue com sua linha de raciocínio: “Exatamente, logo existe um ponto ideal na sua ‘autodureza’, ou seja, na sua autocrítica, para você ter uma produtividade máxima. Não adianta ser extremamente duro, autocrítico, pois você paralisa. Além disso, percebo que, quando você tem um ataque de pânico, é como se uma parte de você te colocasse em perigo, te deixasse em apuros, te deixasse em uma situação mais vulnerável. Você tem esta sensação?” O cliente concorda: “Sim, também tenho”. O terapeuta segue: “E parece que quando esta sua parte que te coloca em apuros, você acaba sendo mais duro e autocrítico, na tentativa de retomar a produtividade e o controle sobre si, mas parece que isso só piora o problema. Certo?” O cliente então se espanta: “Certo, mas por que isso acontece? Parece não fazer sentido”. E assim o terapeuta segue explicando: “Vou te contar uma história que talvez vá te fazer entender o que está acontecendo. Você já teve experiência direta de uma gata tendo uma ninhada de gatinhos?”. O ciente responde: “Sim”. O terapeuta continua: “Ótimo! Então você deve ter notado que, quando uma gata está esperando filhotes, os humanos ao seu redor muitas vezes preparam uma caixa forrada com panos velhos e confortáveis, que eles colocam em um canto da casa. Agora imagine que uma gata teve filhotes, logo após o nascimento eles não fazem muita coisa. Ficam na caixa, onde amamentam, dormem e são limpos pela mãe. Depois de abrir os olhos, eles começam a explorar, e quando o fazem, sempre tem um dos filhotes explora um pouco mais do que os outros, ele é mais curioso, aventureiro e explorador. Primeiro os gatinhos exploram a caixa. Então eles exploram a sala e voltam para a caixa. Em seguida, eles começam a explorar outras salas, além da linha de visão da mãe. Durante todo o tempo, o aventureiro sempre vai um pouco mais longe e retorna um pouco mais tarde. Então, um dia, todos os gatinhos retornaram e estão amamentando, mas não o gatinho aventureiro. Ele permanece em algum lugar além da linha de visão da mãe. De repente, ela ouve o miado do gatinho em perigo. O que nós a vemos fazer?” O cliente então diz: “Ela indo em direção ao gatinho?”. O terapeuta pergunta: “Certo. Por qual caminho?”. O cliente responde: “O mais curto?”. O terapeuta segue questionando: “Exatamente. E quando ela chegar ao gatinho em perigo, em apuros, o que a vemos fazer?”. O cliente responde confiante: “Pega ele pela nuca e traz de volta para a caixa”. O terapeuta segue questionando: “Sim. E o que a vemos fazer a seguir?”. E o cliente diz: “Larga ele”. O terapeuta continua: “E depois?”. O cliente questiona: “Lamber ele?”. O terapeuta confirma: “Certo! Lambe ele até o que?” O cliente diz com dúvidas: “Até ele se acalmar e voltar a mamar ou dormir?”. O terapeuta então afirma: “Exatamente. É o que vemos nos gatos. Você sabe, eu não acho que apenas gatos façam isso. De um jeito ou de outro, vemos quase todos os mamíferos fazendo isso. Exceto, talvez …” O cliente conclui: “Humanos?” O terapeuta então segue dizendo: “Humanos, certo! Podemos ver os humanos fazendo algo parecido com o que os gatos fazem: pegar o caminho mais curto para encontrar o pequeno em perigo, trazê-lo para um local de segurança e fornecer conforto até o momento em que ele se acalme. E você também pode ver que os humanos fazem outras coisas, especialmente quando os filhos são criança, e não mais bebês”. Cliente responde: “Sim, claro”. O terapeuta então segue cogitando várias opções: “Talvez nem sempre tomemos o caminho mais curto para encontrar nosso ‘filhote’ que está em perigo. Na verdade, podemos dizer: ‘Agora não, estou ocupado. Espere até o seu pai/mãe voltar!’. Ou podemos ir direto ao nosso pequeno em perigo, mas depois exigir uma explicação imediata e detalhada. Ou podemos zombar: ‘Olhe para o nosso corajoso explorador, não é tão corajoso assim!’. Ou podemos invalidar: ‘Pare de choramingar! Você não tem motivo para se assustar!’. Ou podemos ameaçar: ‘Pare de chorar agora, ou eu lhe darei uma boa razão para chorar!’. Ou podemos correr na outra direção. Ou podemos cobrir nossos ouvidos e dizer: ‘Eu não quero mais ouvir você!’. Ou podemos dizer: ‘O que fiz para merecer você e todos os problemas que você causa?’. Ou podemos até revirar os olhos e lamentar: ‘Se eu não tivesse você, minha vida seria muito mais simples!’ Possível ou impossível?”. Cliente então concluir: “Todas possíveis!”. E o terapeuta segue: “Certo. Há toda uma gama de coisas que os humanos podem ser vistos fazendo, além daquele movimento instintivo de ir direto para o nosso pequeno em perigo, trazendo-o para um lugar de segurança, e dando-lhe conforto até que ele se acalme. E com você? Você percebe alguma relação entre aquela sua parte que te coloca em perigo e este gatinho aventureiro?” O cliente diz: “Sim, claro. É como se este gatinho levado e aventureiro estive aqui dentro de mim, me dando muito trabalho”. O terapeuta segue: “Exatamente! Quando o gatinho aventureiro e levado, se manifesta, o que você percebe que está fazendo? Você vai direto para trazê-lo para um lugar de segurança? Você consola até que seja acalmado? Ou você percebe que faz uma dessas outras coisas que os humanos fazem?”. O cliente hesita e depois responde: “Na verdade, acho que grito e tento afogá-lo”. O terapeuta então questiona: “Hum… E como ele responde a isso?”. E o cliente responde: “Ele mia mais alto, tenta me morder e me arranhar, fica ainda mais agressivo”. O terapeuta continua: “Então, o que você faz?”. O cliente diz: “Depende. Às vezes eu tento fugir disso. Às vezes eu apenas tento ignorar isso”. O terapeuta prossegue: “Hum … Quantos anos tem esse gatinho?”. E o cliente responde: “Nossa! Muito velho”. O terapeuta então questiona: “Entendi. E se você perguntasse a esse gatinho o que ele precisa, o que ela diria?”. O cliente então responde: “Eu não sei”. O terapeuta segue: “Você pode perguntar a ele?”. O cliente diz: “Bem … Paciência, bondade, carinho, afeto…”. O terapeuta continua em tom de curiosidade: “Paciência, bondade, carinho, afeto… O que uma mãe gato tem para nos ensinar quando um gatinho está em perigo?”. O cliente então percebe: “Ter paciência, bondade, carinho e afeto”. O terapeuta então diz : “Qual será a reação desse seu gatinho se ele for tratado por você com paciência, bondade, carinho e afeto?”. O cliente mais uma vez se dá conta: “Certamente ele vai me atrapalhar bem menos, pois ele vai se acalmar, ficar menos agressivo e menos agitado”. O terapeuta então finaliza: “Exatamente, e com isso, você consegue ser mais produtivo, mesmo depois de um ataque de pânico. Quero que você pense até o nosso próximo encontro como você pode ser mais gentil consigo mesmo na hora que você fica mais vulnerável e fragilizado emocionalmente. Se esse gatinho aparecer e ficar em perigo, tente apenas notar o que você tem feito. Não precisa tentar fazer nenhuma mudança ainda. Você acha que poderia seguir estas orientações?”
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Para entrar em contato com os autores:
Rafael Balbi: e-mail contato@consultoriorafaelbalbi.com
Pâmela Altoé: e-mail pamelasantiagodeoliveira@gmail.com
Trechos traduzidos e
adaptados do Livro “The Essential Guide to the ACT Matrix” (Polk, Schoendorff, Webster, Olaz, 2016)
Referência
Polk
K, Schoendorff B, Webster M, Olaz F. The Essential Guide to the ACT Matrix: A
Step-by-step Approach to using the ACT Matrix Model in Clinical Practice. Oakland, CA: New Harbinger Publications, 2016.
Um comentário em “Como a autocompaixão pode te tornar mais produtivo”